One of a series of essays featuring the answers to questions posed to artists participating in the Megacities project of NGV Triennial 2023
In this third decade of the twenty-first century, the megacity – a city with a population of more than 10 million people – may become the dominant human habitat. The NGV Triennial project Megacities is an ambitious, immersive multimedia installation bringing the creative vision of ten leading street photographers into dialogue with the urban environment. These images offer a counterpoint to the myth of the megacity, an urban agglomeration often used as the antithesis of wealthy European and North American metropolis. Here, the megacity is shown through the lens and explained in the words of those that live there.
Can you describe your daily experience living and working in one of the largest cities on the planet?
Portuguese:
Eu comecei a fotografar São Paulo em 2007, quando me mudei para a cidade para trabalhar em um jornal popular diário, como repórter de texto. A fotografia para mim era ainda um hobby, e também uma ferramenta para descobrir uma cidade gigantesca, que eu ainda não conhecia nem compreendia muito bem. Sempre gostei de trabalhar com a luz do sol ainda baixa no horizonte, no começo da manhã ou no final da tarde. Mas como eu trabalhava à tarde, só me restavam as manhãs nos dias de semana. Comecei a sair quase diariamente por volta das 7h, quando as pessoas estavam correndo para seus empregos, e eu me sentia bem nesse contrafluxo, produzindo algo que era apenas para minha satisfação pessoal. O que me guiava era sempre a luz. Se via uma esquina iluminada pelo sol, era aquela minha direção.
Eu caminhava por três ou quatro horas a cada manhã, e sendo guiado pela luz, fui descobrindo os atalhos da cidade. A fotografia me ajudou a dar sentido a esse lugar tão caótico e emaranhado. Fui descobrindo como cada bairro se conectava com os bairros vizinhos, fui percebendo as transições (estéticas, sociais, de vibração) que havia entre cada região. Havia bairros que eu conhecia só pelo nome, e a fotografia foi me ajudando a identificá-los também imageticamente, como se eu criasse um mapa mental da cidade na minha cabeça. Aos poucos, fui juntando imagens e tentando agrupá-las numa série coesa, que diga objetivo algo sobre a cidade, mas sempre tenho a sensação de que, devido à multiplicidade e diversidade de uma megalópole assim, essa é uma tarefa impossível. Portanto, o trabalho está destinado a ser sempre muito subjetivo.
English:
I started photographing São Paulo in 2007, when I moved to the city to work at a popular daily newspaper as a text reporter. Photography for me was still a hobby, and also a tool to discover a gigantic city that I did not yet know or understand very well. I always liked to shoot with the sun still low on the horizon, in the early morning or late afternoon, but as I worked in the afternoons, I only had the mornings left on weekdays. I started going out almost every day around 7am, when people were rushing to their jobs, and I felt good in that counter-flow, producing something that was only for my personal satisfaction. What guided me was always the light. If I saw a corner illuminated by the sun, that was my direction.
I would walk for three or four hours each morning and, guided by the light, I discovered the city’s shortcuts. Photography helped me make sense of this chaotic and tangled place. I discovered how each neighbourhood connected with the surrounding neighbourhoods; I noticed the transitions (aesthetic, social, vibe) that existed between each area. There were neighbourhoods that I knew only by name, and photography helped me to identify them in terms of images, as if I were creating a mental map of the city in my head. Little by little, I put images together and tried to group them into a cohesive series that would say something objective about the city – but I always have the feeling that, due to the multiplicity and diversity of such a megalopolis, this is an impossible task. Therefore, the work is always destined to be very subjective.
How has this contemporary urban environment shaped your practice as a photographer and artist?
Portuguese:
Minha experiência em São Paulo foi fundamental na minha formação porque me ensinou que eu não dependia de viajar para um lugar distante e exótico para fotografar. Pelo contrário – percebi que minha produção é mais centrada e um pouco mais profunda quando trabalho com uma realidade imediata, que me é familiar. Outro ensinamento desses anos caminhando por São Paulo é que, na maior parte dos dias, as experiências que a cidade te proporciona são mais gratificantes ou importantes do que as próprias fotos produzidas. Para um fotógrafo de rua, que trabalha tendo que produzir centenas de fotos até chegar em uma que permaneça, saber disso é fundamental. São Paulo também me ensinou a ser curioso – se é que isso pode ser aprendido. Mas aprendi a me colocar perguntas o tempo todo enquanto me locomovo pela cidade. O que há na rua de trás daquela? O que acontece atrás desse muro? Como as pessoas ocupam as ruas de determinado bairro? Como as pessoas se locomovem de A para B? E isso é algo que me guia até hoje, em qualquer cidade por onde eu passe.
English:
My experience in São Paulo was fundamental in my training because it taught me that I wasn’t dependent on travelling to a distant, exotic place to photograph. On the contrary – I realised that my production is more focused and a little deeper when I work with an immediate reality that is familiar to me. Another lesson I’ve learnt from the years of walking around São Paulo is that, most of the time, the experiences the city provides you with are more rewarding or important than the photos you take. For a street photographer who works having to produce hundreds of photos until he arrives at one that sticks, knowing this is key. São Paulo also taught me to be curious – if that can be learnt at all. But I’ve learnt to ask myself questions all the time as I move around the city: What’s in the street behind that one? What happens behind that wall? How do people occupy the streets of a particular neighbourhood? How do people get from A to B? That’s something that guides me to this day, wherever I go.
Our understanding of cities has benefited from the development of GPS and mobile technology – does this impact your work? Has it changed the way that you work ‘on the street’, with the ubiquitous presence of mobile technologies?
Portuguese:
Com certeza as tecnologias móveis trouxeram um impacto significativo não só para o meu trabalho, mas para todos os fotógrafos de rua. Principalmente quando estamos em uma cidade nova desconhecida, elas nos permitem planejar com antecedência os lugares em que pretendemos estar em cada hora do dia, podendo em certa medida prever que tipo de ambiente encontraremos para fotografar. Isso tem seu lado positivo, é claro, mas para mim um dos grandes atrativos da fotografia de rua era me perder pela cidade, deixando a metrópole me surpreender, confiando nos imprevistos e surpresas que podem ocorrer com cada simples tomada de decisão: virar à esquerda ou à direita? Esperar aqui ou seguir em frente? Portanto, apesar de me beneficiar muito da tecnologia, também sinto que há um lado instigante em se guiar apenas pelo instinto ou pela luz, como eu fazia quando comecei a fotografar em São Paulo.
English:
For sure, mobile technologies have certainly had a significant impact not only on my work, but also on the work of all street photographers. Especially when we are in an unknown new city, they allow us to plan in advance the places we want to be at each time of the day, and to some extent predict what kind of environment we will find to photograph. This has its positive side, of course, but, for me, one of the great attractions of street photography is getting lost in the city, letting the metropolis surprise me, trusting in the unexpected and surprises that can occur with each simple decision: Turn left or right? Wait here or move on? So, although I benefit greatly from technology, I also feel like there is a thought-provoking side to being guided only by instinct or the light, like I was doing when I started shooting in São Paulo.
Are you witnessing environmental transformation in the city you are working in?
Portuguese:
Sempre, mas isso ocorre desde que me mudei para a cidade, em 2007. São Paulo é uma cidade que não preserva seu passado. O centro histórico, por exemplo, é uma das áreas mais degradadas, ambiental e socialmente. Em outras regiões, com exceção de poucos prédios, muitos edifícios antigos são abandonados ou então são derrubados para construção de prédios mais modernos, portanto a cidade passa a impressão de estar constantemente em obras. Outra mudança muito rápida é que, mesmo nos bairros menos centrais, casas ou edifícios baixos são rapidamente substituídos por prédios mais altos, o que interfere drasticamente na quantidade de luz natural disponível nas ruas. Como fotógrafo, é claro que isso me afeta particularmente, mas também vejo isso como prejuízo em uma cidade conhecida como ‘Terra da Garoa’, onde chove bastante dependendo da época do ano. Mas a mudança mais evidente é a social, com o aumento gritante de famílias morando nas ruas nos últimos três anos, assim como o aumento de usuários de crack, principalmente no centro da cidade. Na contramão dessa degradação, uma conquista recente da população, decorrente de muita luta, foi a criação do Parque Augusta, em uma área central muito disputada pelo mercado imobiliário. É um dos poucos oásis de área verde na região central da cidade.
English:
Always, but this has been since I moved to the city in 2007. São Paulo is a city that does not preserve its past. The historic centre, for example, is one of the most environmentally and socially degraded areas. In other areas, with the exception of a few buildings, many old buildings are abandoned or torn down to build more modern ones, so the city gives the impression of being constantly under construction. Another very rapid change is that, even in the less central neighbourhoods, houses or low-rise buildings are quickly replaced by taller ones, which drastically interferes with the amount of natural light available on the streets. As a photographer, of course, this affects me particularly, but I also see it as a detriment in a city known as Terra da Garoa (Land of Drizzle), where it rains a lot depending on the time of year. But the most obvious change is social, with the stark increase in families living on the streets over the last three years, as well as the increase in crack users, especially in the city centre. On the contrary to this degradation, a recent achievement of the population, the result of much struggle, was the creation of Augusta Park in a central area that is highly contested by the property market. It is one of the few oases of green space in the city centre.
If we accept the premise that the megacity is an engine for cultural and social change, how do you see that reflected on the street?
Portuguese:
Falando especificamente de São Paulo, para mim há alguns problemas trazidos por essa condição de megacidade que ficam claros em qualquer caminhada pela cidade. Por exemplo, a alta concentração demográfica, que gera um trânsito totalmente insalubre, em que muitas pessoas são obrigadas a gastar duas ou mais horas do seu dia apenas para irem trabalhar, perdendo um tempo precioso de descanso e, consequentemente, qualidade de vida. Isso também se reflete, é claro, no transporte público, cada vez mais cheio e estressante nos horários de pico, uma situação em que qualquer problema com algum veículo ou acidente na pista pode gerar ainda mais horas de deslocamento. Outro aspecto é a atração que as megacidades causam nas pessoas de fora, com a promessa ilusória de emprego e oportunidades. Ao contrário disso, o que vemos é um grande número de pessoas desempregadas, que acabam em situação de rua, ou então trabalhando na informalidade, sem garantia de direitos trabalhistas. E nas megacidades uma coisa leva à outra: como a população de rua só cresce, temos visto nos últimos anos vários exemplos de arquitetura hostil, com elementos urbanos criados para evitar o uso público de determinados espaços e segregar indivíduos.
English:
Speaking specifically of São Paulo, for me, there are some problems brought on by its status as a megacity that become clear on any walk around the city. For example, the high population concentration, which creates a totally unhealthy traffic situation in which many people are forced to spend two or more hours of their day just to go to work, losing precious time for rest and, consequently, [reducing their] quality of life. This is also reflected, of course, in public transport, which is increasingly crowded and stressful at peak times, a situation in which any problem with some vehicle or accident on the track can generate even more hours of travel. Another aspect is the attraction that megacities have for outsiders, with the illusory promise of jobs and opportunities. On the contrary, what we see is a large number of unemployed people, who end up on the streets or else working informally, with no guarantee of labour rights. And in megacities, one thing leads to another: as the street population continues to grow, we have seen many examples of hostile architecture in recent years, with urban elements designed to prevent the public use of certain spaces and segregate individuals.
GUSTAVO MINAS | São Paulo, Brazil.